O vídeo sobre a adultização publicado pelo influencer Felca jogou luz sobre um importante debate no mundo digital: os perigos da exposição de crianças e adolescentes com fotos e vídeos nas redes sociais, que podem ser alvo de criminosos.
Mas como saber o que deve ser evitado na hora de publicar algo nas redes? E como perceber se seus filhos estão em uma situação vulnerável da forma que eles interagem na internet? Afinal, existe um limite para essa exposição?
O Metrópoles conversou com a delegada Lisandréa Salvariego Colabuono, que coordena o Núcleo de Observação e Análise Digital (NOAD) da Polícia Civil de São Paulo; com o psicólogo Rodrigo Nejm, especialista em educação digital e colíder da área sobre o tema no Instituto Alana; e com Michelly Antunes, jornalista e líder de programas e projetos sociais da Fundação Abrinq, para responder a essas perguntas.
Os três deram dicas sobre como evitar situações problemáticas e foram unânimes em dizer que os pais precisam falar sobre os perigos da internet com os filhos. Veja:



Felca denunciou influenciador Hytalo Santos de usar menores para conseguir engajamento
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Felipe Bressanim, conhecido como Felca, ficou conhecido por vídeos de “react” no YouTube
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Hytalo Santos, influencer paraibano, está sendo duramente criticado por seus conteúdos com menores de idade
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O youtuber Felca, que mantém um canal com mais de 2,3 milhões de inscritos, viralizou nas redes sociais após um vídeo em que testa a base de Virgínia Fonseca
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Hytalo Santos é acusado de usar menores para ampliar engajamento em suas redes sociais
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Felca pede desculpas pelo “susto” após sumiço
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O marido de Hytalo também foi preso
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Como saber o que posso postar sobre meus filhos?
“Ao contrário do que muitos pensam, a maioria dos materiais compartilhados no âmbito da pornografia infantil versa sobre fotos rotineiras: trocando fralda, dando banho, trajes de banho ou pijamas curtos, por exemplo”, conta a delegada Lisándra Salvariego.
Ela indica que os pais evitem esses tipos de fotos nas redes sociais abertas, e ressalta que não há um perfil, idade ou gênero que possam identificar quem pode ser um pedófilo. “Hoje, os criminosos não precisam mais sair de casa, seduzir crianças ou se preocupar em estratégias para alcançarem o que querem. Está tudo acessível, logo ali, na superfície digital.”
Especialista no tema, Michelly Antunes, da Fundação Abrinq, diz que criminosos também podem usar imagens dos rostos das crianças, tiradas de fotos aparentemente comuns, para adulterá-las e produzir conteúdos.
“Ao fotografar, é sempre importante usar acessórios como óculos, chapéu… Quanto mais acessórios, mais difícil [fica para alguém] tirar de contexto”. Para facilitar, ela sugere que os pais não fotografem a criança em um ângulo fechado, focando no rosto ou em partes do corpo. “Se for pra publicar, que seja foto de uma distância maior, de um ângulo não focado.”
Para o psicólogo Rodrigo Nejm, um passo anterior a tudo isso pode ser ainda mais importante: “A primeira pergunta que as famílias devem fazer é: ‘qual é a minha intenção de tirar essa foto e fazer esse filme?’. É para compartilhar com a família, com amigos próximos? Tem formas de fazer isso, e não necessariamente uma rede social é o melhor caminho”.
Ele sugere, por exemplo, criar um álbum compartilhado só com quem você deseja dividir as imagens. Ou enviá-las de forma privada, sem publicar no feed das redes.
“Às vezes, as famílias não percebem que estão usando a rede social para compartilhar uma coisa com os amigos, com familiares, mas estão compartilhando na maior praça do mundo. Você não imprime cópias das fotos da sua criança e sai distribuindo no maior shopping da sua cidade. Por que que na internet pode?”.
Ele lista algumas dicas para pensar antes de decidir se vale a pena ou não publicar uma imagem dos filhos nas redes.
- Qual a intenção? Pense por que você quer compartilhar e com quem.
- Em qual escala esse conteúdo precisa ser publicado? Avalie antes se as fotos não podem ser encaminhadas para amigos e familiares de forma privada.
- Cuidado com a vontade dessa criança: Pense se este é um conteúdo que pode incomodar essa criança no futuro, se a privacidade dela está sendo respeitada.
- Ficou em dúvida? Não publique. “O ônus tem que ser do adulto. Na dúvida, preserve essa criança. Quando ela for mais velha, tiver maturidade, ela poderá escolher de que forma ela quer estar visível no espaço digital”, diz Rodrigo.
E os filhos adolescentes? Como evitar que eles sejam alvo de criminosos ao publicar algo?
Rodrigo diz que é preciso pensar no acesso das crianças e adolescentes à internet como um processo com várias fases. “É como se fosse uma dieta. Tem que começar com introdução alimentar. A gente não sai dando batata frita, feijoada, para uma criança que está nos primeiros dentes”, diz ele, que defende que os pais conversem com os filhos e regulem seu uso das redes.
“A gente não pode confundir: o fato dos adolescentes usarem a internet por muitas horas não significa que eles tenham todas as habilidades necessárias de maturidade e de capacidade crítica para usar com segurança e com saúde. […] Ele pode saber fazer as dancinhas, edição de vídeo, mas tem o cérebro, o corpo, a experiência de vida, e a impulsividade de um adolescente de 13 anos.”
O psicólogo afirma que um primeiro passo é conversar com o filho para que ele tenha a conta destinada a adolescentes – tanto o Instagram quanto o TikTok possuem formas de restringir alguns usos para adolescentes a partir dos 13 anos.
Rodrigo diz que essa conversa deve ser amigável, para que o adolescente não sinta que está sendo “condenado” por usar a rede.
“Primeiro de tudo, escute o que os seus filhos têm a falar sobre a vida digital deles. Faça essa escuta sem julgar e negocie essa presença digital discutindo a possibilidade de usar a conta de adolescente. O que eles não querem é que a gente fique dando bronca, condenando.”
Mas e se o filho já tem uma conta aberta? Como ver se há algo mais sensível ali?
Rodrigo sugere conversar com o adolescente e fazer um exercício de ver o feed dele por 15 minutos, mesmo que ele esteja ao lado. Assim, os pais podem perceber qual o tipo de conteúdo que o algoritmo está sugerindo e notar se há algo de estranho.
Se o adolescente se negar a autorizar, pode ser um sinal de que há algum problema ali.
Lisándrea também defende que os pais falem com os filhos sobre os perigos.
“Converse com seus filhos, expliquem o motivo para que não postem fotos íntimas ou com conteúdo que possa dar brechas à conotações sexuais. Expliquem que fotos íntimas, após a postagem em algum lugar, ficam praticamente impossível de ser deletadas”, diz a delegada.
Michelly conta que as escolas têm um papel importante também ao debater esse tema com os adolescentes, por meio de dinâmicas e exemplos.
“É papel da escola, nesse processo, mostrar o quanto a internet é uma plataforma produtiva, que pode ampliar o conhecimento, o repertório cultural deles, enfim, mas também de dizer que, postando determinadas fotos, elas vão para outro contexto.”
E se eu notar que existe algo sensível nas redes do meu filho. O que fazer?
Rodrigo explica que é importante conversar com o adolescente em primeiro lugar. Depois, pode ser o caso de procurar ajuda profissional de um psicólogo ou acionar alguns órgãos.
“Se for algo mais leve, envolvendo a escola, ter esse diálogo com a escola. E se souber de algum caso de violência, pedir ajuda no Conselho Tutelar e na polícia”.
Afinal, na opinião dos especialistas, é possível impor um limite?
Michelly diz que é possível e necessário impor um limite, já que falta regulamentação mais específica para as redes sociais no país.
“O nosso país não tem uma regulamentação desses ambientes digitais. […] Então, quando você joga uma imagem, um vídeo dentro de uma rede dessas, ali é um espaço público como outro qualquer. Você não sabe onde essa imagem vai parar”.
Ela explica que a adultização acontece quando há uma exposição precoce a comportamentos que deveriam ser reservados a adultos, e que isso tem acontecido nas redes com frequência.
Lisándrea também cita esses casos e diz que o bom senso faz diferença.
“O limite é muito baseado no bom senso. Crianças devem usufruir da infância para serem seres saudáveis. A adultização infantil não é engraçada, nem tampouco saudável e ela pode abrir a porta para inúmeros crimes que podem vitimar nossas crianças e adolescentes”, afirma Lisándrea.