Regras contábeis para o Sistema Financeiro Nacional (SFN) que entraram em vigor no início de 2025 levaram as instituições financeiras a aumentar suas provisões contra possíveis perdas, embora o mercado ainda esteja em processo de adaptação. Segundo dados do Banco Central (BC), as provisões passaram de 5,7% para 7% da carteira de crédito entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano e continuaram nesse patamar ao longo do primeiro semestre.
Especialistas no setor bancário opinam que as mudanças podem impactar os critérios dos bancos para conceder crédito.
A elevação já era prevista como resultado da adoção do padrão internacional contábil conhecido como IFRS 9 em norma publicada pelo regulador em 2021, que só entrou em vigor no início deste ano. A regra alterou a metodologia de cálculo para provisões e aumentou o escopo dos instrumentos que são contabilizados.
Antes da mudança, a normas previam o cálculo de provisões por perdas incorridas. Nesse modelo, as instituições precisavam realizar provisões após o reconhecimento da inadimplência. Já o novo padrão segue o princípio de perdas esperadas. A partir de modelos que consideram as particularidades da transação, assim como as condições da economia, as instituições podem avaliar a probabilidade de uma operação de crédito não ser paga e a partir disso fazer o provisionamento.
Vários bancos, sobretudo os grandes, já trabalharam dessa maneira. Para eles, portanto, o impacto foi menor. Mas parte do mercado ainda está em processo de adequação.
Para a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a adaptação dos bancos tem acontecido dentro do esperado, mesmo considerando a “enorme mudança” trazida pela regulamentação. De acordo com a entidade, o impacto inicial parece ter sido maior que os R$ 37,8 bilhões de aumento nas provisões previstos no Relatório de Estabilidade Financeira (REF) do BC em novembro de 2024. Na edição do REF de abril, o BC já informava que as entidades reportaram aumento agregado de R$ 58,9 bilhões nas provisões para perdas de crédito dos instrumentos financeiros.
A expectativa da Febraban é que, depois da fase de adaptação, os bancos irão aperfeiçoar a modelagem e será possível otimizar o nível de provisionamento. “Nesse sentido, poderemos até verificar melhorias [reduções] no nível de provisionamento em relação ao patamar atual”, disse em nota.
A Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que representa os bancos médios, destacou que a elevação das provisões era esperada e que a trajetória futura vai depender “essencialmente” do cenário econômico.
Larissa Arruy, sócia da área de bancos e serviços financeiros do escritório de advocacia Mattos Filho, afirmou que a elevação das provisões se deve principalmente ao modelo de perdas esperadas e ao aumento do grupo de ativos sujeito a provisionamento. O novo modelo permite o provisionamento de operações que, embora ainda não inadimplidas, apresentam risco grande de não ser honradas de acordo com os modelos de cada instituição.
Sobre o segundo fator, antes esse escopo englobava majoritariamente operações de crédito. Nas novas regras, entram outros ativos financeiros como títulos e valores mobiliários, disse a advogada.
A Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), que reúne bancos públicos e agências de fomento, informou que as instituições financeiras estão se adaptando e, embora os parâmetros internacionais para estabelecer as regras sejam relevantes, há possibilidade de que nem todos se ajustem às especificidades brasileiras. “Avaliamos internamente a necessidade de eventuais adaptações, que poderão ser discutidas com o Banco Central no momento oportuno”, disse André Godoy, diretor-executivo da ABDE.
De acordo com a Febraban, a norma tem uma sensibilidade maior aos ciclos econômicos que a regra anterior. A resolução determina que os bancos devem incorporar as condições econômicas e de mercado que possam afetar o risco de crédito nos seus modelos de apuração de perda esperada.
“O provisionamento dependerá também de como se comportará o ciclo do crédito e a expectativa dos agentes, sendo por natureza um pouco mais volátil, tanto nos aumentos como nas reduções. Mas é um modelo mais avançado em relação ao anterior e vai certamente ampliar a já forte resiliência do setor a eventuais choques”, afirmou.
Arruy, do Mattos Filho, disse que as mudanças acabam por encarecer as operações de crédito de baixa qualidade. “O que talvez aconteça é você naturalmente buscar uma carteira de crédito mais saudável e ser mais criterioso nesse processo de concessão de crédito.”
Questionada se identificou algum impacto da nova regra na concessão de crédito, a ABBC informou que a oferta de crédito está regida fundamentalmente pelo movimento positivo da atividade, do mercado de trabalho e consumo aquecidos, e das condições favoráveis de liquidez.
A Febraban não identificou impactos na concessão de crédito e afirmou que é cedo para fazer uma avaliação mais precisa, já que os bancos estão em processo de entendimento de partes da norma. A expectativa é que haja impactos relevantes, ao longo da implementação das regras, sobretudo na modelagem utilizada pelos bancos.
“No médio e longo prazo temos uma expectativa otimista, tantos em termos de elevação do volume de novas concessões, como de melhoria da qualidade das carteiras de crédito”, disse a entidade em nota.
Procurado, o BC não se manifestou sobre o assunto.