Desde que o influenciador Felca denunciou a sexualização de crianças na internet, em 6 de agosto, o tema ganhou repercussão nacional e levou à prisão preventiva de envolvidos. Entre eles, o criador de conteúdo Hytalo Santos e o marido, Israel Nata Vicente, detidos nesta sexta-feira (15/8)
O Ministério Público da Paraíba (MPPB) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) investigam o blogueiro por exploração e “adultização” de menores nas redes sociais. A ONG SaferNet, que registrou mais de 28 mil notificações de pornografia infantil no primeiro semestre de 2025, relatou um aumento de 114% dos registros após as denúncias feitas no vídeo do youtuber.




O homem foi preso em São Paulo
Reprodução/Vídeo

Hytalo Santos e Euro
Reprodução

Influenciador foi exposto por Felca
Hytalo Santos
Para Itamar Gonçalves, superintendente da Childhood Brasil, o ambiente virtual ampliou as possibilidades de violência contra crianças. “Com as redes, a gente tem amplificação desses abusos. Potencializou, em muito, as formas de violência contra as crianças”, afirma.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou 87.545 casos de estupro, incluindo de vulneráveis, em 2024, o maior índice desde 2015. Segundo o Ministério da Saúde, 68% das agressões ocorrem em casa, cometidas por familiares ou conhecidos. Agora, a internet surge como mais um espaço de risco.
A psicóloga Cassiana Tardivo alerta para o diferencial do ambiente online: o anonimato dos “predadores”.
“A criança sempre esteve exposta em casa, na escola, no condomínio. Ela precisa estar protegida em todos os lugares. Predadores agem no anonimato e se sentem mais protegidos”, aponta.
Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, já tipifica como crime produzir ou publicar menores para conteúdo sexual, com pena de quatro a oito anos de prisão, mesmo no ambiente digital. A mesma penalidade é prevista para quem recruta ou se envolve na participação de criança ou adolescente nesse tipo de conteúdo.
Para o professor de Direito Digital Alisson Possa, a legislação é clara: “Mesmo em ambiente digital, há base legal consolidada para responsabilizar autores de crimes contra crianças e adolescentes.”
Rodrigo Fragola, especialista em crimes cibernéticos, ressalta que conteúdos que insinuam conotação sexual com menores, mesmo sem nudez ou ato sexual, também configuram crime. “Basta a exposição ou exploração da imagem”, diz.
Segundo a rede internacional InHope, o Brasil foi, em 2024, o quinto país com mais denúncias de sites com abuso sexual infantil. A responsabilidade pode recair sobre produtores, administradores de perfis, plataformas e usuários que compartilham ou armazenam o material. “Produtores de conteúdo são os principais responsáveis, com penas mais severas”, reforça Possa.
No caso de Santos, o juiz Antônio Rudimacy Firmino de Sousa, do Tribunal de Justiça da Paraíba, apontou fortes indícios de crimes como tráfico de pessoas, com pena de até oito anos de reclusão, agravada quando a vítima é menor. A defesa do influnciador afirmou que ele e o marido são inocentes e se colocara à disposição da Justiça.
Para Gonçalves, a repercussão do caso, ainda que tardia, é uma oportunidade de aprimorar o ECA. “Acho que [o debate] veio de forma tardia. Quando surgem fatos como esse, a gente busca aprimorar a lei”, opina.
Vítimas
Enquanto isso, crianças e adolescentes expostos a um público quase ilimitado continuam no centro da discussão. Um grupo de cerca de 20 pessoas, incluindo menores, protestou nesta sexta (15) em São Paulo pedindo a liberdade do influenciador.
Os envolvidos no processo não se queixavam publicamente da exposição nas redes. A psicóloga Tardivo explica que o período da adolescência envolve sentimentos de validação e busca por independência, o que pode deixar jovens vulneráveis à ambientes inadequados.
Ela lembra que o comportamento dos menores não equivale a consentimento. “Talvez a criança nem tenha condição de perceber que foi inserida precocemente em um ambiente sexualizado. É a única visão de mundo que ela vai ter”, explica.
Entre as medidas essenciais para proteção online, a especialista cita limitar o tempo de uso do celular, monitorar conteúdos, estabelecer idade mínima para perfis e conscientizar famílias e sociedade.
Felca também denunciou a dificuldade de relatar violações nas redes sociais. “Para denunciar no Instagram, por exemplo, não há um caminho simples. É preciso exigir das plataformas rotas mais diretas. Hoje, a burocracia pode levar as pessoas a desistirem”, relatou.
Denúncias anônimas podem ser feitas no site da SaferNet, pelo Disque 100, em delegacias especializadas, conselhos tutelares e pelo aplicativo Sabe, do Ministério dos Direitos Humanos, que facilita que as próprias crianças denunciem.