O cinema mundial, dominado em grande parte por produções estadunidenses, define grande parte das tendências da indústria. Com foco comercial, os estúdios buscam estratégias para garantir sucesso de público e, atualmente, parecem apostar na ansiedade dos espectadores.
De acordo com o psicólogo americano Jonathan Haidt, autor de A Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada Está Causando Uma Epidemia de Transtornos Mentais, a geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) apresenta níveis de ansiedade maiores que os das gerações anteriores, resultado da intensa exposição a telas e redes sociais. E o cinema se aproveita desse comportamento para orientar os lançamentos.
Em 2025, aumentou o número de relançamentos de filmes antigos, assim como remakes, adaptações e sequências de franquias. Segundo João Vitor Leal, professor e pesquisador do Instituto Federal de Brasília, a escolha por essas produções está ligada à ansiedade geracional e é guiada principalmente por interesses comerciais.
“As franquias não me parecem ser um reflexo genuíno do que as pessoas desejam. A lógica da franquia é a lógica de quem quer manter um público cativo – a mesma lógica do feed infinito de redes sociais como o Instagram e o TikTok, por exemplo, em que o importante não é a qualidade de cada conteúdo, mas o fluxo ininterrupto de conteúdos que mantém a gente ali, meio fascinado, meio alienado”, acredita.
O pesquisador detalhou ainda como o mercado audiovisual explora as emoções do público. “A meu ver, o mercado contribui para a produção dessa ansiedade com o intuito de minimizar seus riscos e maximizar seus lucros. Hollywood lança suas produções e emplaca a ideia de que precisamos vê-las, ela cria a expectativa do público, alimenta sua ansiedade e recompensa sua atenção aos pouquinhos, prometendo sempre mais do mesmo”, completa.


Stitch no novo live-action da Disney
Divulgação/Disney

Minecraft e Creeper, o monstro virtual característico do jogo
Jakub Porzycki/NurPhoto

Dragão Fúria da Noite, Banguela, no live-action Como Treinar o Seu Dragão
Divulgação/Universal Pictures

Mufasa – O Rei Leão
Foto: Reprodução

O Auto da Compadecida 2
Divulgação

Capitão América: Admirável Mundo Novo
Divulgação
Dados da Ingresso.com mostram que, no primeiro semestre de 2025, os filmes mais assistidos incluíram títulos como Lilo & Stitch, Um Filme Minecraft, Ainda Estou Aqui, Como Treinar o Seu Dragão, Mufasa: O Rei Leão, O Auto da Compadecida 2, Capitão América: Admirável Mundo Novo, Sonic 3: O Filme, Thunderbolts e Premonição 6: Laços de Sangue.
A lista evidencia como o mercado aposta em produções já consagradas ou derivadas de franquias de sucesso, reforçando a tendência de repetir fórmulas que garantem público. Para a cineasta Cibele Amaral, a estratégia tem prós e contras, mas não deve ser levada como verdade universal, visto que as tendências mudam rapidamente.
“As franquias são um produto que garantem que os investimentos na produção sejam mais duradouros. Ao invés de investir em um novo filme, o mercado prefere buscar um filme que fez sucesso no passado e fazer a sequência. E realmente está funcionando. É uma pena que não haja mais tanto espaço para inovar e para apostar em filmes diversos, mas acredito que seja uma fase.”
E panorama audiovisual no Brasil?
O cinema brasileiro também segue a lógica comercial global, apostando em franquias consolidadas. O Auto da Compadecida ganhou sequência, e continuações de Bruna Surfistinha e da comédia Se Eu Fosse Você estão previstas, incluindo uma terceira parte do último título.
Mas a produção nacional não se resume a sucessos comerciais. Há uma safra de filmes recentes que traz inovação e diversidade às telonas, como Ainda Estou Aqui, Oeste Outra Vez, Manas, Homem com H e Agente Secreto, segundo a cineasta Cibele Amaral. “O Brasil está com filmes sensacionais, mas o público conhece pouquíssimos deles. Produções de médio ou pequeno porte acabam ficando espremidas. É uma pena”, lamenta.
De acordo com o pesquisador do Instituto Federal de Brasília, a dificuldade de promover um filme brasileiro e a falta de espaço para produções brasileiras nos cinemas torna o público ainda mais atrelado ao padrão de ansiedade mundial relacionado ao cinema.
“Tem muito espaço para produções com temáticas e linguagens diferentes, mas a inovação não dispõe do mesmo orçamento e nem da mesma visibilidade do marketing. Qualquer novo filme de super-herói entra no radar do público sem esforço algum. Outros tipos de filme, sem a mesma estrutura de divulgação, têm dificuldade para alcançar um público que parece estar confortável demais com o que já conhece”, explica.
Ainda Estou Aqui, último grande sucesso nacional, esteve em grandes festivais pelo mundo, foi exibido por semanas nos cinemas e chegou nas grandes premiações. O Agente Secreto segue o mesmo caminho. João Victor pondera que essa ainda não é a realidade geral do cinema no Brasil, mas acredita em uma mudança futura.
“É difícil esperar que os agentes do mercado tomem a iniciativa de se abrir aos riscos de um filme que não tem nada a ver com o que o público está acostumado, mas, felizmente, os agentes do mercado não são os únicos agentes no campo do cinema”, reflete.