O fenômeno ‘Wandinha’ é inegável mundo afora – e, após uma sólida primeira temporada, Jenna Ortega retornou mais feroz e ácida como a personagem titular, nos convidando para uma jornada regada a mistério, sangue e ironias. Com o lançamento do segundo ciclo no mês passado, o prazer de assistir a essa ótima produção da Netflix foi reacendido, nos preparando para uma segunda leva que prometia responder a algumas perguntas e abrir espaço para outras, fomentando a já confirmada terceira iteração.
Os quatro episódios restantes da segunda temporada chegaram ao catálogo da plataforma de streaming hoje, 3 de setembro, finalizando um arco ainda mais complexo e que ampliou o popular universo de ‘A Família Addams’. O resultado não poderia ter sido outro: a leva inédita de capítulos apresentou novos personagens e mergulhou fundo em uma narrativa inspirada nas incursões de Agatha Christie e Edgar Allan Poe, unindo comédia e terror em uma atmosfera sólida, instigante e recheada de pequenos detalhes mensurados com cautela por Tim Burton e por seu habilidoso time criativo e técnico. Oferecendo um espetáculo visual pincelado com despojadas incursões teatrais, ‘Wandinha’ permanece no ápice de seu jogo e reitera seu prestigiado status entre as séries atuais.
Para aqueles que não se recordam, os episódios anteriores colocaram a personagem-título em uma situação de vida ou morte, fazendo-a enfrentar mais uma vez o perigoso Hyde, monstro que habita o psicótico e vingativo Tyler (Hunter Doohan). Entrando em coma após uma batalha, ela retorna com seu famoso ímpeto e com a ajuda de um guia espiritual que lhe ajudará em sua jornada: Larissa Weems (Gwendoline Christie), ex-diretora da Academia Nunca Mais que faleceu na temporada passada. Aqui, a poderosa metamorfa tenta colocar um pouco de juízo na cabeça de Wandinha, que deseja recuperar suas habilidades como vidente e recorre a meios nada convencionais para isso.
Porém, a protagonista deseja fazer isso não apenas para salvar sua melhor amiga Enid (Emma Myers), e sim para impedir que um membro de sua família seja assassinado – principalmente ao descobrir que Tyler se reuniu com a mãe, Françoise (Frances O’Connor), que também é uma Hyde, e com o tio, Isaac Night (Owen Painter), que é ninguém menos que o desastrado e faminto zumbi encontrado por Pugsley (Isaac Ordonez) nos arredores da escola. O trio, movido pelo desejo de vingança e pela necessidade de retirar a maldição que os acompanha, tem como alvo os Addams – e eles pararão por nada para garantir que eles paguem pelos crimes cometidos no passado.
É notável como Burton, responsável pela criação do show, tem um apreço significativo por histórias de mistério e pela forma como elas podem ser trabalhadas dentro de um espectro teatral. Afinal, o prestigiado cineasta já nos entregou obras-primas da sétima arte, como ‘Sweeney Todd’, ‘A Noiva Cadáver’ e ‘Edward Mãos-de-Tesoura’, todos mergulhando na celebração do grotesco e na exaltação do expressionismo maximizado – e isso não seria diferente com a série. Cada cenário e cada iluminação é engendrada de forma a nos levar a um cosmos fabulesco, perigoso e intrigante, movido por árvores retorcidas e uma densa neblina que esconde as verdadeiras intenções dos personagens. E, dividindo a cadeira de direção com Angela Robinson, o resultado é uma epopeia visual crescente e que não pensa duas vezes antes de ousar, por mais que cometa alguns erros.
A nova leva de episódios também encontra sucesso nos arcos que se dispõe a desenrolar, incluindo a desestruturada amizade entre Wandinha e Enid, que inclusive protagonizam um dos melhores episódios da série ao trocarem de corpo após cruzarem caminho com Rosaline Rotwood (Lady Gaga em uma ótima, porém curte performance); e a relação entre Wandinha e Mortícia (Catherine Zeta-Jones), cujos laços vão de desfazendo em meio a mentiras e com a constante presença da icônica Joanna Lumley como a Vovó Hester Frump (em uma atuação poderosa, vívida e que não me surpreenderia caso lhe rendesse uma indicação ao Emmy). E, como a cereja do bolo, Steve Buscemi nos encanta com uma clássica e burlesca rendição como o misterioso e controverso Barry Dort, atual diretor de Nunca Mais.
Acompanhando esse time de incríveis performers, que divertem-se em papéis despojados e muito bem delineados, Billie Piper (Isadora Capri), Luis Guzmán (Gomez Addams) e Christie fazem um ótimo trabalho e têm apenas a acrescentar a esse vibrante universo que se expande cada vez mais. E, à medida que os múltiplos arcos convergem para uma conclusão interessante e sabiamente delineada, é notável como não podemos esperar para um próximo ano quem com certeza, nos encantará.
Os capítulos finais da 2ª temporada de ‘Wandinha’ acertam em cheio no quesito entretenimento e trazem reflexões interessantes revestidas com uma máscara sardônica e recheada de entrelinhas hilárias e bem-vindas. Além de trazer rostos conhecidos de volta e adições certeiras, a série reclama o espaço que conquistou entre os títulos mais populares da Netflix – e os motivos para isso são absurdamente claros.