Sinop, 08/07/2025 11:11

Demanda por reúso de água cresce em meio a regulação fragmentada no Brasil | ESG

Apesar do Brasil possuir uma das maiores disponibilidades de recursos hídricos superficiais em nível global, respondendo por aproximadamente 8% das reservas mundiais, o país enfrenta desafios crescentes relacionados à escassez hídrica. Fatores recentes como o crescimento populacional, a concentração urbana e a mudança do clima, contribuem para um cenário de agravamento da escassez de água em diferentes esferas. Além de observações que confirmam a redução de vazão nos corpos d’água do país, eventos extremos recentes apontam para o aumento da vulnerabilidade dos sistemas de abastecimento, tanto em âmbito urbano, quanto nos contextos industrial e agrícola.

Diante desta conjuntura, a água de reúso surge como uma fonte alternativa estratégica para ampliar a segurança hídrica. Prática consolidada em diferentes países, o reúso de água tem recebido maior atenção nos últimos anos por sua ampla disponibilidade, contribuição para a conservação dos recursos hídricos e baixa dependência de fatores climáticos. Apesar dos benefícios, a prática deve ser conduzida com atenção aos parâmetros de qualidade da água estabelecidos de forma a garantir a saúde humana e ambiental, dado que efluentes tratados incorretamente ou aplicados para usos inadequados carregam potencial de contaminação para produtores, distribuidores e usuários da água de reúso.

Um dos grandes desafios – se não o maior – para a consolidação e ampliação do reúso de água no Brasil é o estabelecimento de instrumentos legais consistentes e que, portanto, sejam capazes de regular, orientar e oferecer segurança para a prática em diferentes níveis. Atualmente, o quadro regulatório relacionado à prática de reúso se revela insuficiente, com baixa integração entre diferentes iniciativas legislativas existentes.

A análise das diferentes resoluções estudais que legislam sobre o reúso revela uma variedade de tipologias de conceitos, além de diferenças significativas entre os padrões de qualidade da água estabelecidos – com alguns estados apresentando padrões mais restritivos que aqueles da resolução CONAMA nº 357 –, além de outros aspectos como a distribuição de responsabilidades, a exigência de licenciamento ambiental e a frequência de monitoramento das atividades.

Juliana Picoli é pesquisadora e gestora de projetos do FGVces — Foto: Divulgação

É interessante observar que parâmetros excessivamente exigentes podem limitar o reúso em regiões do Brasil com menos recursos disponíveis, prejudicando seu avanço, ao mesmo tempo em que parâmetros muitos brandos podem oferecer maior risco de contaminação dependendo da sua aplicação, como indica a publicação “Análise conceitual e normativa sobre reúso de água no Brasil”, elaborada pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV com a colaboração do Pacto Global da ONU – Rede Brasil e apoio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Necessidade de um marco regulatório

Diante desse cenário, é defendida a necessidade de uma diretriz federal mínima, que poderia ser estabelecida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), conforme previsto na Lei nº 14.026/2020. Além disso, é destacada a importância de um marco regulatório que, além de padrões de qualidade para o uso, defina instrumentos legais capazes de assegurar a responsabilização por eventuais danos decorrentes do reúso da água. Assim, o estabelecimento de instrumentos legais consistentes deve considerar tanto o contexto nacional quanto local, de forma a se adequar às capacidades institucionais, técnicas e financeiras do país e de cada região específica.

Quando se trata da implementação do reúso de água no Brasil, estudos apontam que o país tem potencial para gerar cerca de 13 m³/s — o equivalente a 410 bilhões de litros por ano — no curto e médio prazo. No entanto, o volume atual gira em torno de 2 m³/s, revelando a distância entre o potencial e a prática efetiva. Segundo estudo publicado em 2019, neste mesmo ano, de 1.287 ETEs instaladas na região Sudeste, apenas 15 contavam com projetos de reúso e somente uma disponibilizava dados públicos.

Layla Lambiasi é pesquisadora do FGVces — Foto: Divulgação
Layla Lambiasi é pesquisadora do FGVces — Foto: Divulgação

Ainda que o Brasil abrigue a maior planta de produção de água reciclada da América Latina, e haja planos de expansão desse tipo de empreendimento em território nacional para os próximos anos, lacunas relacionadas à infraestrutura, recursos financeiros e regulamentação persistem. Apresentado também como uma resposta para os desafios da crise climática – garantindo abastecimento ininterrupto para o setor industrial, por exemplo – os impactos do reúso nas reservas de água, principalmente subterrâneas, ainda é pouco estudado. Além disso, não são claras quais capacidades institucionais seriam suficientes para assegurar um nível adequado de fiscalização que garanta o correto uso da água de reúso.

Muito longe de ser uma solução isolada, o reúso de água deve ser considerado enquanto uma das alternativas a serem incorporadas na gestão integrada dos recursos hídricos, demandando para tanto um ambiente regulatório consolidado e o desenvolvimento de outras frentes paralelas, porém essenciais, como a universalização dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto. Assim, o reúso deve integrar o conjunto de medidas fundamentais à segurança hídrica do território nacional, alinhado à uma estratégia coerente de desenvolvimento com objetivos e demandas claras que, para além de um modelo de negócios, entregue benefícios sociais amplos.

Layla Lambiasi é mestre em Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Linköping (Suécia) e atua como pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces).

Juliana Picoli é mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e atua como pesquisadora e gestora de projetos do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces).

(*) Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

Clique aqui para acessar a Fonte da Notícia

VEJA MAIS

Entenda crise que coloca em xeque permanência de Boto no Flamengo

Os bastidores do Flamengo se agitaram no começo desta semana. A insatisfação por parte dos…

tudo o que você precisa saber para se inscrever

Já imaginou mostrar seu talento musical em um grande palco? O The Voice Brasil pode ser…

Homem fica ferido após carro bater em micro-ônibus

GM-VG   Um acidente de trânsito com vítima foi registrado por volta das 6h30 desta…