A escalada de tensão entre Brasil e Estados Unidos chegou a um novo patamar em julho de 2025. Em gesto inédito desde o retorno de Donald Trump à presidência americana, a Casa Branca anunciou, no dia 9, a intenção de impor tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros — uma retaliação política disfarçada de investigação comercial.
A justificativa formal da ação é a abertura, pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), de uma investigação sob a Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, alegando práticas brasileiras que supostamente dificultam o comércio digital, criam barreiras para o etanol americano, favorecem parceiros comerciais com tarifas preferenciais e impõem exigências ambientais e anticorrupção consideradas excessivas.
No pano de fundo, porém, está o incômodo de Trump com o julgamento de Bolsonaro no Brasil, que ele classificou como “perseguição ideológica”.
É evidente que a ofensiva americana não se sustenta tecnicamente. Trata-se de uma medida de fundo político, orientada pelo alinhamento de Trump com Jair Bolsonaro e por seu interesse eleitoral em reforçar sua base conservadora.
Em vez de priorizar o pragmatismo diplomático, o presidente dos EUA optou por adotar um tom beligerante, instrumentalizando o comércio internacional como forma de pressionar o governo brasileiro.
A resposta do Brasil, até o momento, foi firme e institucional. A possível convocação da embaixadora brasileira em Washington para consultas e a possibilidade de uso da Lei de Reciprocidade Econômica mostram que o governo Lula está disposto a reagir, sem histrionismo, mas com clareza.
No Congresso Nacional, uma rara convergência de lideranças partidárias, de diferentes matizes ideológicos, começou a se formar para defender o Brasil daquilo que já é visto como uma agressão comercial injusta. Nos bastidores, nomes influentes da política já articulam uma frente ampla, não em torno de Lula, mas em torno do Brasil.
Ataque no coração da economia brasileira
A investigação americana atinge em cheio setores cruciais da economia brasileira: agronegócio, biocombustíveis e tecnologia. Produtos como madeira, etanol, carne e insumos agrícolas estão entre os alvos mais ameaçados.
Empresas brasileiras que atuam com meios de pagamento digital, como o Pix, também podem ser afetadas, caso Washington imponha restrições técnicas ou tarifárias sobre plataformas e serviços considerados concorrentes.
É um ataque frontal ao carro-chefe das exportações brasileiras, em um momento já marcado por alta de juros, volatilidade de preços internacionais e eventos climáticos extremos que dificultam o planejamento e a rentabilidade do setor.
Lula ganha fôlego
Surpreendentemente, o episódio trouxe um efeito colateral positivo para o governo brasileiro. A pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira (16) mostra que a popularidade de Lula oscilou positivamente dentro da margem de erro, passando de 40% para 43% de avaliação positiva. A desaprovação caiu de 57% para 53%.
Analistas apontam que a firmeza do presidente frente à ameaça dos EUA reforçou a imagem de um líder disposto a defender os interesses do país. O discurso de soberania nacional voltou ao centro do debate político, e pode se consolidar como uma das âncoras da estratégia eleitoral de Lula rumo às eleições de 2026.
A movimentação simultânea no Legislativo indica que, mesmo em um cenário polarizado, o Brasil ainda é capaz de reagir com maturidade institucional diante de ameaças externas. A coesão entre Executivo e Congresso, mesmo que pontual, pode ser decisiva na contenção dos efeitos econômicos e diplomáticos da crise.
Ensinamento ao Brasil
O episódio deve servir de alerta ao Brasil: crescer como potência exportadora sem avançar em maturidade política e estratégica nos torna vulneráveis. É preciso investir em diplomacia econômica, fortalecer canais multilaterais e diversificar mercados.
Aceitar passivamente cotas ou sanções seria legitimar uma chantagem geopolítica. O Brasil precisa reagir com altivez, amparado em dados, em alianças internacionais e no compromisso com a previsibilidade dos acordos comerciais.
O futuro do agronegócio e da economia brasileira está em jogo, e será definido não apenas nos portos, mas nas mesas de negociação diplomática, nos bastidores do Congresso e nas urnas. O país precisa de serenidade, firmeza e inteligência estratégica para enfrentar mais essa turbulência.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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