O treinamento de um modelo de inteligência artificial (IA) para prever a estrutura de proteínas rendeu o Prêmio Nobel de Química em 2024 a dois executivos do setor de software, Demis Hassabis e John Jumper. Só Jumper tem formação como químico. O modelo, AlphaFold, permite antecipar as interações de moléculas biológicas e está ajudando na pesquisa de terapias para doenças como malária, Parkinson e leishmaniose. O avanço mostra o potencial da IA em processos de inovação.
Essa interação ocorre há mais de uma década, possibilitando o uso de grandes quantidades de dados para fazer previsões e detectar tendências, como a preferência do consumidor por produto X ou Y. Mas, até recentemente, as empresas dependiam de modelos de IA mais rígidos, com execução baseada em regras, uso de dados estruturados (como os de uma planilha), com baixa capacidade de aprendizado e resultados restritos a informações para relatórios ou orientações operacionais. Agora, os modelos de IA aprendem — e recebem aplicação em novas áreas todos os dias. “Posso interagir com um cliente artificial e ver o que ele acha. Posso simular o que uma população inteira vai querer”, diz Fabio Cozman, coordenador do Centro de Inteligência Artificial da Universidade de São Paulo (USP), o C4AI.
Assim como o AlphaFold realiza em dias o trabalho com as proteínas que durava anos, modelos de IA prometem fazer o mesmo com compostos químicos, códigos de computador e projetos de equipamentos e instalações. Eles podem reproduzir e simular o desempenho de sistemas físicos, os gêmeos digitais. A tecnologia vai multiplicar a capacidade de pesquisa e desenvolvimento das companhias, abrindo a uma era de inovação em velocidade sem precedentes, segundo o relatório Previsões de IA para os Negócios 2025, da PwC.
Num nível mais simples, softwares baseados em LLMs (grandes modelos de linguagem) podem gerar avaliações de produtos, escrever postagens para redes sociais, analisar interações com clientes e automatizar tarefas de documentação em setores altamente regulados. Mesmo sem inovação direta, o resultado é maior produtividade nas organizações — e mais recursos para investir em inovação.
No Brasil, a maior parte do mercado ainda faz uso muito modesto da tecnologia. A pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), aponta que, em 2024, a IA era usada em 13% das empresas, principalmente em tarefas de assistência administrativa, como redação de e-mail, ou em campanhas de marketing. A questão é crítica ante o potencial da IA. O sociólogo Glauco Arbix, especialista em inovação, é bem incisivo: logo, não vai haver possibilidade de gerar produtos, processos ou negócios novos e competitivos sem IA. Ele dá o exemplo do setor de saúde, com uso de IA para análise de radiografias, identificação de tumores ou desenvolvimento de drogas.
“Os setores em que o impacto da IA será mais relevante são aqueles com desenvolvimentos complexos, custosos e demorados”, acrescenta Marcelo Nakagawa, professor de instituições como Insper e Fundação Dom Cabral (FDC). Entre esses setores estão os de equipamentos de alta precisão, biotecnologia, química fina e governo. Mas o impacto se estende à reinvenção de setores como construção civil. “Na China, empresas automatizaram processos de concepção, planejamento e execução da obra, com uso de sistemas construtivos digitalizados, robôs e sistemas de gestão e monitoramento baseados em IA”, exemplifica.
Para Alexandre Montoro, diretor-executivo e sócio do BCG, a chegada da GenIA provocou aumento de produtividade em tarefas cotidianas, como avaliação e criação de documentos ou categorização de informações. “Agora as empresas começam a pensar em como inovar, ou se reinventar”, diz.
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Isso já ocorre em funções como atendimento, dada a capacidade de prover experiências baseadas em mais informação e personalização do que seria possível apenas com a capacidade humana, e começa a chegar a áreas como gestão de pessoas, para funções como avaliação de candidatos ou de performance.
O próximo passo no caminho da IA, ainda incipiente, são os agentes, programados para tomar decisões e executar tarefas de forma autônoma — e com enorme potencial de transformar processos e criar inovações. Eles poderiam funcionar, por exemplo, como um colega com quem se discute caminhos de inovação.
Rodrigo Gimenez, sócio da consultoria RGCE e coordenador assistente do MBA em estratégia e inovação com aplicação de IA da Fundação Vanzolini, está desenvolvendo um projeto de doutorado que propõe a criação de um agente de IA para analisar dados internos de empresas e simular o comportamento dos concorrentes em análises estratégicas. Mas, por enquanto, a realidade é outra. “Especialistas de IA ainda não participam dos comitês de estratégia. Se não chegou ao conselho, ainda não chegou a lugar nenhum”, pondera Gimenes.
Um estudo do BCG mostra o descasamento — grande difusão de IA para lidar com burocracia e pouca para romper com velhos modelos. Em média, nos 11 países pesquisados, 72% dos funcionários dizem usar IA no trabalho. Mas só 22% das empresas estão criando novos modelos de negócios baseados em IA. “Estamos em momento de inflexão, com empresas pensado como se reinventam”, diz Montoro.
Será necessário investimento privado e público para difundir esse recurso e aumentar o número de empresas que o usam de forma mais sofisticada. Como em outras áreas sensíveis, um fluxo de capital consistente e bem direcionado tende a mostrar melhores resultados do que tentativas de elevar demais o investimento de forma repentina e a níveis insustentáveis.
O investimento em IA generativa no Brasil foi de cerca de US$ 1,85 bilhão em 2024 e deve crescer 30% neste ano, segundo o Estudo Mercado Brasileiro de Software – Panorama e Tendências 2025, apresentado no início de agosto pela Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes). Entram nessa conta infraestrutura, software e serviços relacionados a essa tecnologia. O estudo lista como destaques nas prioridades das empresas, além de IA generativa, o empenho para difundir os agentes de IA e as iniciativas para produtividade e automação habilitadas por IA.
A pesquisa da Abes é consistente com outras indicações de tendências feitas pela PwC: as empresas vão usar a tecnologia de forma mais difusa e integrada por todo o negócio; a análise do valor gerado pela IA precisará se tornar mais sistemática e transparente; os custos relacionados à tecnologia vão cair muito. Segundo a análise da PwC, 63% das companhias de alto desempenho estão expandindo seus investimentos em nuvem a fim de maximizar os benefícios da IA generativa.
Além disso, as empresas fazem bem em ficar atentas aos planos dos governos federal e estaduais para o setor e as formas de acesso a linhas específicas de investimento e financiamento. “Está sendo desenhado o programa específico para tratar de IA no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)”, diz Joana Meirelles, superintendente da área de transformação digital e responsável por ações de IA na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Virá do FNDCT boa parte dos recursos do Programa Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que prevê R$ 13,8 bilhões para inovação nas empresas até 2028.