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“Trabalho na área de finanças há dez anos. Já passei por algumas empresas, com estilos de gestão bem diferentes, e aprendi bastante com isso. Hoje, estou numa posição estável, numa empresa de médio porte, mas tem algo que vem me desgastando cada vez mais: a forma como meu chefe conduz o time. Ele centraliza tudo, se comunica mal, muda de ideia sem avisar, não explica o que quer e é muito inseguro. Isso tem afetado a motivação da equipe e, sinceramente, a minha também. Tenho tentado relevar, mas está difícil. Como lidar com um chefe que não sabe gerir pessoas?” Analista sênior, 35 anos
Sua pergunta é uma daquelas que ecoam em silêncio em muitos corredores corporativos, salas de reunião e, principalmente, nas sessões de terapia. Ela aponta para um dos maiores paradoxos do mundo do trabalho: ainda promovemos pessoas a cargos de liderança por mérito técnico, e não por aptidão humana.
Você trabalha há uma década na área de finanças e, ao longo do tempo, já conviveu com diferentes estilos de gestão. Essa vivência, ainda que por vezes frustrante, é um capital simbólico importante. Reconhecer a deficiência de um líder em lidar com pessoas já demonstra que você está num outro patamar de maturidade. Mas, como lidar com isso? E mais: por que ainda é tão comum?
O sociólogo Zygmunt Bauman, ao falar sobre a modernidade líquida, descreve um mundo em que os vínculos se tornaram frágeis e descartáveis, inclusive nas relações de trabalho. Lideranças que não sabem lidar com pessoas frequentemente reforçam essa lógica: evitam se comprometer com o desenvolvimento dos seus liderados, fogem de conversas difíceis, e preferem controle à escuta. Criam ambientes onde o medo se disfarça de produtividade.
Já o psicólogo Daniel Goleman, autor do clássico “Inteligência Emocional”, afirma que os líderes mais eficazes têm algo em comum: autoconsciência, empatia e capacidade de autorregulação. Essas competências não são opcionais, são estruturais. E quando estão ausentes, o preço quem paga é o time.
Alguns sinais de uma liderança ineficaz são microgerenciamento, falta de feedback construtivo, ausência de clareza nas expectativas, decisões arbitrárias, comunicação truncada. Se esse for o caso, minha primeira provocação é: até que ponto você ainda está disposto a investir energia para se adaptar a um ambiente que opera em desequilíbrio?
A segunda provocação é mais ousada: será que você não está pronto para assumir uma posição de liderança, justamente porque percebe com mais nitidez o que falta na que recebe?
Dito isso, vamos à parte prática. Como lidar com um gestor que não sabe ser gestor de pessoas?
- Estabeleça fronteiras claras: Em ambientes desorganizados emocionalmente, a clareza é sua maior aliada. Formalize acordos, combine prazos, e registre tudo o que puder. Isso te protege e te empodera;
- Mantenha seu senso crítico vivo, mas não cínico. Você pode reconhecer as falhas do seu líder sem cair no lugar da ironia ou da resignação. Transforme o incômodo em aprendizado. Como você agiria diferente? O que você jamais replicaria?
- Busque apoio horizontal. Nem sempre o apoio vem de cima. Pode vir dos pares, de outras lideranças ou de redes externas. Compartilhar vivências e construir alianças ajuda a não adoecer sozinho;
- Cuide do seu valor simbólico. Profissionais seniores precisam ser estratégicos com sua energia. Avalie se esse ambiente te impulsiona ou te paralisa. E se for o caso de sair, saiba que isso não é desistir, é se preservar;
- Invista em sua própria liderança. Não espere o cargo. Comece exercendo influência no seu raio de ação. A escuta que você oferece, os conflitos que ajuda a resolver, os colegas que apoia — tudo isso já é liderança.
Por fim, deixo uma reflexão da Brené Brown, pesquisadora e referência em coragem e vulnerabilidade no trabalho: “Liderar é cuidar. Cuidar das pessoas, das ideias, dos resultados. Liderar é servir com o coração inteiro.” Quando falta esse coração, a estrutura até se mantém de pé por um tempo. Mas não se sustenta com integridade.
Se hoje você convive com um chefe que não sabe liderar pessoas, transforme esse incômodo em potência. Porque, quando a gente enxerga com lucidez as faltas do outro, também é sinal de que está pronto para não repeti-las.
Com respeito à sua jornada,
Dani Jesus é psicóloga, ativista, criadora do Currículo Oculto e apaixonada por cultura, gestão de pessoas, diversidade, equidade e inclusão.
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Esta coluna se propõe a responder questões relativas à carreira e a situações vividas no mundo corporativo. Ela reflete a opinião dos consultores e não a do Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.