Sinop, 19/07/2025 08:41

O deus do amanhã | A notícia MT

Vivemos sob o domínio de um deus silencioso, que jamais fala, mas a quem todos obedecem: o deus do amanhã. Ele reina sobre corações inquietos, mentes calculistas e mãos que apertam o que têm com medo de perder. Seu culto é discreto, mas feroz. Seus sacerdotes falam em nome da prudência, da prosperidade, da responsabilidade. Sua liturgia é a da poupança, do investimento, da promessa de recompensas futuras para quem hoje se sacrifica com afinco.

Esse deus não exige orações, apenas temor. É o medo do futuro que o sustenta — e o medo, por sua vez, alimenta a avareza. Guardar, acumular, reter. Trabalhar não pelo bem do outro, mas pela segurança própria. Poupar não por amor à temperança, mas por desconfiança da providência. Esse é o espírito que molda a alma do mundo moderno.

A avareza é, porém, mais do que a retenção de dinheiro ou bens. Ela é uma estrutura do olhar, um modo de se colocar no mundo. O avarento pensa em si antes de tudo e em relação a tudo. Crê merecer o melhor atendimento, o melhor lugar, o melhor objeto, a melhor marca — e considera um insulto quando algo lhe foge à expectativa.

Sente-se diminuído se precisa ceder passagem a outro carro, irrita-se se alguém demora dois segundos a mais no semáforo. Sente-se doente e insultado se paga mais por um produto, se perde uma promoção, se é mal atendido na loja ou restaurante, se lhe atrasam um pagamento.

O tempo, para ele, é um bem a ser capitalizado. Idolatra o tempo como extensão de seu domínio. Por isso, abomina tudo o que o faz parar, esperar, perder o controle. Não crê na eternidade, tampouco na imortalidade: só conhece o agora como instrumento do depois. Seu coração vive na ansiedade do próximo instante.

Essa lógica encontra expressão nítida na mentalidade liberal e nas correntes religiosas que, desde a Reforma, identificaram o sucesso material como sinal da eleição divina. O mérito pessoal tornou-se a nova salvação, e a acumulação de bens, sua prova visível. Max Weber mostrou como o protestantismo calvinista, ao afirmar a predestinação e a glória de Deus através da ordem do mundo, contribuiu para formar um espírito econômico no qual a avareza se mascara de virtude.

Mas essa visão é incompatível com o Evangelho. Cristo não ensinou a temer o amanhã, mas a viver o hoje com confiança. Seu ensinamento é claro, direto, impossível de ser diluído: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã” (Mt 6,34). Ele não exalta os prudentes que escondem seus talentos com medo do risco, mas os que multiplicam o que receberam com generosidade e fé. Para Ele, o pão é para hoje, e se for guardado para amanhã, apodrece — como o maná no deserto.

Enquanto o mundo moderno cultua o futuro como promessa de glória pessoal, Cristo convida a um abandono total ao Pai. Enquanto o espírito do mundo diz “sacrifica-te hoje para que te enriqueças amanhã”, o Senhor diz: “vende tudo o que tens e segue-me”. O Evangelho é um escândalo para o financista: não promete retorno, não acumula dividendos, não garante estabilidade — só entrega o Reino, que não é deste mundo.

A avareza é, portanto, mais que um vício individual: é uma disposição espiritual que se opõe frontalmente à lógica do dom. E o dom é o próprio Cristo. Ele se entrega sem medida, sem cálculo, sem garantia de retribuição. Ele não guarda nada para si: esvazia-se. E assim nos salva.

Diante disso, o verdadeiro cristão não pode viver como quem aposta no mundo. Sua confiança não está nos bens acumulados, nem em planos de longo prazo, mas na providência que cuida dos lírios do campo e das aves do céu. Ele sabe que o amanhã não pertence ao homem, e que viver como filho é viver no presente, com gratidão e generosidade.

É justamente aqui que se dá a ruptura mais profunda entre o cristianismo e a modernidade: a modernidade vive da hybris — a ânsia de dominar, de planejar tudo, de conquistar o futuro. O cristão vive da humildade — a disposição de receber o que é dado, de doar o que se tem, de confiar sem reservas. O primeiro quer transformar o mundo com a própria força. O segundo quer ser transformado por Deus.

Em tempos como os nossos, a generosidade tornou-se um ato de resistência. Dar é negar a lógica do mundo. Repartir é quebrar o feitiço da escassez. Confiar é, hoje, o maior escândalo. Por isso o cristão que vive no presente, que entrega seus bens ao próximo, que não teme o amanhã, torna-se sinal do Reino invisível — onde o pão se multiplica, não pela reserva, mas pelo dom.

Não se trata de desprezar a prudência, mas de purificá-la. Não se trata de louvar a pobreza material em si, mas de recordar que a verdadeira riqueza é o amor que se entrega. O cristão não despreza o tempo, mas sabe que o tempo só tem valor quando vivido como resposta ao chamado de Deus. E esse chamado é sempre agora.

Cristo nos ensinou a pedir apenas o pão de cada dia. Nem mais, nem menos. Tudo o que vai além disso é oferta ao deus do amanhã.

ORLANDO MORAIS é jornalista e filósofo

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