Sinop, 14/03/2025 02:18

O princípio gemelar do IVA dual (CBS e IBS) e o processo administrativo | Fio da Meada

Desde a gênese dos estudos que orientaram a reforma tributária aprovada pela Emenda Constitucional nº 132 (EC 132), houve a justa preocupação de simplificar, reduzindo-se os custos de conformidade fiscal, trazendo maior segurança jurídica a todos.

A partir deste propósito, a simplicidade foi elevada ao grau de princípio constitucional no artigo 145, parágrafo 3º, da Constituição Federal, ao lado da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. É notável que o comando despontou deontologicamente de forma bastante impositiva, definindo, sem muita margem interpretativa, que o Sistema Tributário Nacional “deverá” observar referidos princípios.

No decurso dos debates e costuras políticas, deparou-se com uma insuperável dificuldade de criação de um único IVA, denominado IBS, com o compartilhamento de competência deste tributo entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Teria surgido, àquele momento, um óbice federativo instransponível no plano político, ameaçando a viabilidade do projeto de reforma tributária. Foi uma espécie de disputa de poder, ou melhor, a falta de disposição de Estados, Distrito Federal e Municípios dividirem poder com a União Federal, o que se justifica por razões históricas que podem ser tratadas em outro artigo.

Sem adentrar nas razões que fizeram com que os entes federativos não desejassem “dar os braços” para a União Federal na competência para instituir e gerir um tributo comum, rechaçando a inviável submissão de uns entes ao outro, buscou-se uma solução política. Sugeriu-se a criação de um IVA-Dual, com o desmembramento do então isolado IBS em dois tributos sobre o consumo: a CBS de competência da União Federal e o IBS de competência compartilhada dos Estados, Distrito Federal e municípios.

Mas o comando de simplificação não poderia ser ameaçado, sendo desejo de todos inaugurar uma nova era no sistema de tributação do consumo. E por esta razão foi que a EC 132 definiu, em seu artigo artigo 149-B, que os tributos previstos nos artigos 156-A (IBS) e 195, V (CBS), observarão regras comuns em relação a: I – fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; II – imunidades; III – regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; IV – regras de não cumulatividade e de creditamento.

Vale dizer, seriam dois tributos gêmeos em todos os elementos da regra matriz de incidência tributária, exceto na sujeição ativa (entes tributantes). Preconizou-se, ainda, que dada as identidades, a CBS e o IBS deverão ser apurados em conjunto e recolhidos na mesma guia de pagamento. A divisão em dois tributos será quase uma mera formalidade para divisão do poder de tributar e preservação das independências dos entes tributantes que não desejavam coabitar as mesmas competências.

Ainda sob as amarras constitucionais da simplicidade – e consequente segurança jurídica – a EC 132 definiu, em seu artigo 156-B, parágrafo 8º, que a lei complementar “poderá” prever “a integração do contencioso administrativo” relativo aos tributos previstos nos artigos 156-A (IBS) e 195, V (CBS). Na linguagem das normas ou na lógica deôntica, a expressão “poderá” não necessariamente remete a uma faculdade, mas pode efetivamente significar uma conduta obrigatória. A expressão tem a conotação de outorga de poder ou de autorização para que o Estado – atividade vinculada – faça o que deve ser feito. Em outras palavras, a integração do contencioso deve ocorrer na medida em que a simplificação, a segurança jurídica ou outros comandos de observância obrigatória assim recomendarem.

Deve-se atentar para a raiz da palavra “integração” constante no comando da norma, cujo significado diz respeito “tornar íntegro, fazer um só”. Provêm do latim integrare (in = não; tangere = tocado). Assim como leite integral ou o período integral não se dividem, o contencioso administrativo integrado tampouco pode ser dividido. É o mesmo sentido das dezenas de vezes em que a palavra “integração” é utilizada no texto constitucional

Nesta mesma toada a EC 132 impôs, no art. 156-B, que os Estados, o Distrito Federal e os municípios exercerão de forma “integrada”, exclusivamente por meio do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (…) as seguintes competências administrativas relativas ao imposto de que trata o art. 156-A: I – editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto; II – arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios; III – decidir o contencioso administrativo.

Tais competências “integradas” não poderão ser divididas, assim como o contencioso administrativo do IBS e da CBS também não poderão ser divididos.

A despeito do claro comando constitucional determinando a unificação (integração) dos contenciosos do IBS e da CBS, a conclusão decorreria de forma lógica dos demais preceitos principiológico da EC nº 132. Não convive com o obrigatório princípio da simplificação a manutenção de dois contenciosos para tributos idênticos, com regras processuais distintas e, sobretudo, com competências distintas para o controle de legalidade.

Refiro-me, aqui, ao artigo 92, 3º, do PLP 108, que exclui a competência dos julgadores dos recursos administrativos interpostos em face de lançamentos de IBS de afastar legislação tributária (dentro da qual estão os atos infralegais) em decorrência de possível ilegalidade. O tributo gêmeo – CBS – será controlado no âmbito do processo administrativo fiscal sob as regras do Decreto 70.235/72, tramitando perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), cujos órgãos julgadores tem competência para afastar normas ilegais. O debate assombra, eis que mesmo diante do dever constitucional da administração pública observar a legalidade (artigo 37 da CF/88), o PLP 108 pretende subtrair tal competência do órgão julgador administrativo do IBS.

Dirão alguns que houve a criação de Comitês de Harmonização para unificar interpretações divergentes entre os tributos gêmeos CBS e IBS, assim, estaria suprido o comando de integração já referido.

Não se podem confundir conceitos. A expressão harmonizar, que inclusive consta no preâmbulo a Constituição Federal com um valor a ser perseguido pela sociedade, guarda relação com conciliação, congraçamento ou fazer concordar. Não tem nenhuma relação com a palavra “integração”.

Mas, pior do que isso, a harmonização social no campo tributário deve envolver a busca pelo consenso entre partes com interesses ou entendimentos contrapostos. Na relação jurídica tributária – afinal é disso que estamos tratando aqui – a contraparte do cobrador de tributos é o sujeito passivo ou contribuinte. A harmonização pretendida no PLP 108 ocorre entre sujeitos ativos (União e Comitê Gestor), ocupantes de um mesmo lado da mesa na relação jurídica tributária.

A proteção do jurisdicionado ocorre no e por meio do processo. É aquele em relação a quem é exercido o poder de tributar. É o sujeito oprimido por quem detém o poder e a quem serve o processo administrativo para frear ímpetos e exigências arbitrárias e ilegais (art. 5º LIV e LV da CF/88).

Portanto, voltando aos já referidos princípios da simplificação e da segurança jurídica, a instituição de dois processos não integrados, sem harmonização efetiva entre interesses contrapostos na relação jurídica – mas somente entre entes tributantes com interesse comum de arrecadar -, não há o atendimento aos comandos constitucionais. Não haverá harmonia social e, ao contrário, um estímulo à litigância por força da ausência de observância dos requisitos mínimos de controle de arbitrariedades. É a contramão de tudo que se está pregando e construindo em termos de aproximação entre Fisco e contribuintes.

O princípio gemelar que orientou o IBS e a CBS deve se estender ao processo administrativo tributário, pois é nele que o crédito tributário envolvendo os gêmeos será aperfeiçoado, com adequada interpretação dos fatos e da lei, de forma simples, segura, transparente. Em outras palavras, de forma integrada como determinado pela EC 132.

Não adentrarei aos custos que a estrutura proposta irá provocar, com órgãos de julgamento diluídos em 27 entes da federação, com centenas de integrantes, onerando, por puro afago às vaidades federativas e ao desejo de poder, os cofres públicos em detrimento de todos os interesses sociais preconizados na EC 132.

Gêmeos digitais — Foto: Pixabay

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