Um advogado foi condenado a indenizar uma família em R$ 4.000 após ele ter registrado um boletim de ocorrência no Distrito Federal contra uma criança de dois anos. Segundo a decisão da Justiça, a denúncia foi motivada por brigas na escola entre duas crianças, que são colegas de turma.
Ao registrar a ocorrência por lesão corporal, o homem omitiu a idade do outro envolvido, que tem dois anos, e descreveu o menino como um “algoz contumaz”, que se refere a alguém que causa sofrimento de forma habitual, sem demonstrar arrependimento. Em seguida, acionou o Conselho Tutelar.
Por meio de nota, o advogado — que também é pai de uma das crianças — afirmou que decidiu agir em defesa da integridade física e emocional do filho. Ele também alegou que os episódios de violência entre as crianças podem ser comprovados por filmagens e áudios enviados pela responsável da escola, que “reconhece a existência de um histórico de violência, fato também confirmado por declarações de outros pais em situação semelhante” (veja a nota completa abaixo).
O caso chegou à Justiça após a mãe da criança acusada tomar conhecimento do boletim por meio da PCDF (Polícia Civil do Distrito Federal). Na decisão, a juíza Márcia Regina Araújo Lima, da 3ª Vara Cível de Águas Claras, acolheu o pedido da mãe, determinou o pagamento de R$ 4.000 por danos morais e considerou a denúncia “abusiva”. Cabe recurso da decisão de primeira instância.
Para a magistrada, o advogado — “portanto, conhecedor da legislação” — optou por omitir dados relevantes, como a idade das crianças envolvidas, ambas com dois anos, e descreveu o autor como “algoz contumaz”, atribuindo à criança características de um criminoso para apurar um possível descumprimento culposo ou doloso do poder familiar.
A juíza ressaltou que a decisão não ignora que a criança acusada possa ter machucado o filho do advogado ou outras crianças. No entanto, segundo ela, a conduta do réu, “como profissional do direito, conhecedor das dificuldades naturalmente enfrentadas pelos pais na educação de seus filhos — especialmente na idade de dois anos —, excedeu o exercício regular do seu direito ao sugerir a existência de crime de descumprimento do poder familiar após o episódio ocorrido com seu filho”.
Além disso, a magistrada observou que a conselheira tutelar acionada pelo autor recomendou que a situação fosse resolvida entre os responsáveis, as crianças e a escola. “O uso do sistema [da polícia] com abuso não pode ser tolerado. […] Os atos praticados pelo réu não se revestem da forma de exercício regular do direito, [mas] são materialmente abusivos”, concluiu.
Os pais
Em entrevista a RECORD, a mãe da criança “denunciada” afirmou que o filho deu dois tapas, em momentos diferentes, mas também foi mordido e agredido por outras crianças — tudo em meio a um contexto comum de convivência entre crianças da mesma idade, que usam muitas vezes atos físicos para disputar brinquedos ou chamar a atenção dos professores.