Na linha de frente do enfrentamento ao crime cibernético em São Paulo, o Núcleo de Operações e Articulações Digitais (NOAD), da Polícia Civil do estado, atualmente monitora 702 suspeitos de envolvimento em cibercrimes.
O núcleo também já contabiliza 148 vítimas salvas, além de ter produzido 3.088 relatórios técnicos e ter feito 93 acionamentos a forças policiais de outros estados -saída encontrada pela equipe quando são identificados indícios de crime nas redes vindo de agressores que ultrapassam a jurisdição paulista.
Coordenado pela delegada Lisandrea Colabuono, o NOAD atua 24 horas por dia, sete dias por semana, com uma equipe reduzida de apenas sete policiais, todos especializados em inteligência digital.
“A gente trabalha infiltrado, e o a gente nota estão [crimes cibernéticos] aumentando muito, especialmente nas plataformas que não têm nenhum tipo de moderação.”, afirma Colabuono.
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Com o agravamento da violência digital e a natureza cada vez mais complexa dos crimes, a técnica de infiltração passou a ser essencial nas investigações. Policiais do NOAD se inserem disfarçadamente em comunidades on-line para antecipar ações ilícitas, e muitas vezes violentas, e reunir provas.
“A gente consegue entrar e o monitoramento é feito tanto a partir de alvos que já foram identificados, ou a partir da constatação de crimes, e a gente gera um relatório técnico, que é disparado para quem vai executas. E isso pode ser tanto dentro de São Paulo como fora”, explica a delegada.
Segundo ela, o trabalho é constante e exaustivo, uma vez que não se pode delegar a tarefa para tecnologias de suporte. “Eu, como policial, sabendo que algo vai acontecer, não posso colocar um software para gravar e dormir. A gente fica monitorando o tempo inteiro”, afirmou à coluna.
Essas ações, explica, têm o objetivo principal de possibilitar a interrupção de crimes antes que eles ocorram, por meio da identificação de tendências dentro das redes.
Tais crimes, segundo Colabuono, normalmente se dão na forma de “eventos”, que são dinâmicas on-line que englobam as práticas dos desafios como o do “chroming” -quando a vítima é induzida a aspirar desodorante até desmaiar -, ou do “blackout” – quando envolve sufocamento, entre outros.
“Começa a anunciar evento, a gente já pede [para as plataformas] no emergencial para derrubar, antes de acontecer”, relata. Graças à infiltração, o núcleo já conseguiu evitar ataques em escolas e resgatar vítimas em tempo real.
Uma das estratégias utilizadas pelos criminosos é tentar burlar mecanismos de proteção das redes e até autoridades por meio de código. Colabuono cite, por exemplo, inclusive o uso da palavra “eventos” para substituir o que antes chamavam de “luz”. O jargão era usado para indicar transmissões ao vivo de atos violentos.
“Eles pararam de usar aquela palavra ‘luz’. Pararam. Por quê? Porque algumas plataformas, como o TikTok, a Meta, começaram a identificar essa palavra. A palavra luz seria pra indicar um evento”, explica. “Luz é um evento de um maus-tratos animais, evento de alguém se mutilando, estupro virtual”.
Um caso emblemático identificado pelo núcleo foi de um adolescente que havia adotado cerca de 30 gatos ao longo de um ano. A intenção, depois da adoção, era torturá-los para exibir nas redes.
Em outro, uma menina morreu após participar de um desafio virtual. Dias depois, a irmã dela acessou o mesmo perfil e acabou sendo capturada psicologicamente pelo mesmo agressor. “Ee [o agressor] entrou na mente dela. Só que ela, a família conseguiu salvar”, conta.
Um dos casos mais recentes que envolveu o Noad, núcleo coordenado por Colabuono, foi a operação Nix, que investigou adolescentes suspeitos de usarem a internet para praticar cyberbullying e estupros virtuais. Segundo a investigação, os jovens são acusados de obrigar mais de 400 vítimas a cometerem automutilações e promoverem ataques a moradores de rua e animais.
Grande parte das vítimas identificadas pelo núcleo são meninas menores de idade, mas ela ressalta que isso não exclui os meninos da lista. Os crimes contra as vítimas femininas, principalmente, incluem chantagens emocionais, exploração sexual e humilhações públicas.
Os meninos também são alvos, especialmente em desafios ligados à automutilação e ao ganho de status entre os grupos criminosos. “Nos meninos, a automutilação serve para ascender na hierarquia. É um desafio para mostrar que suporta a dor”.
Para Colabuono, é urgente que plataformas digitais tenham representações formais no Brasil, com canais de emergência que funcionem, além de filtros efetivos dentro das redes para captar os códigos usados por redes criminosas.
“Tem que ter ‘enforcement’ no país. Isso tem que ser obrigatório […] Isso não é gasto, é investimento”, afirma.