O futebol brasileiro está em crise há muitos anos. Em bom tempo, a Lei nº 14.193/2021 introduziu a sociedade anônima do futebol (SAF), trazendo a opção de um modelo empresarial em substituição ao tradicional modelo associativo dos clubes de futebol.
O modelo legal passou a ser aplicado, submetendo-se a alguns testes de “efetividade” na vida real. A lei vigente e eficaz foi acolhida por alguns clubes que logo se apressaram a migrar para a nova sistemática. Noticia-se que mais de 99 clubes possuem projetos de transformação de clubes de futebol em SAFs no país, como os casos do Cruzeiro, Atlético Mineiro, Botafogo, Bahia, Vasco e outros.
Pode-se dizer, a esta altura do campeonato, que o instituto veio para ficar. Entre tropeços iniciais frente às decisões judiciais que acabaram por extrapolar os limites de responsabilização previstos na lei das SAF, a jurisprudência, embora ainda claudicante em determinados aspectos, vem atribuindo eficácia jurídica ao novo regramento. Com o aval do Judiciário, obtém-se crescente segurança jurídica com o modelo. E, na esteira, novos e robustos investimentos.
O erário público, antes credor desiludido dos clubes de futebol, passou a receber os créditos tributários devidos pelos clubes por meio de acordos de transação celebrados com a União Federal, mediante recuperação judicial ou extrajudicial ou, ainda, pelo chamado Regime Centralizado de Execuções (RCE). A União Federal passou, ainda, a contar com maior arrecadação corrente de tributos incidentes sobre novas receitas.
Alguns clubes mais populares enveredaram por caminhos alternativos, profissionalizando suas gestões, obtendo robustos patrocínios e logrando êxito no equilíbrio de suas contas, como o Palmeiras, o Flamengo e o Fluminense (em transição para a SAF).
Outros clubes, todavia, encontram-se em momentos mais delicados. É o caso do Corinthians e do São Paulo, que acumulam passivos substanciais e ainda não colocaram qualquer plano em prática, mediante gestão profissional, credibilidade e injeção de capital.
Nos clubes endividados e que ainda não têm um projeto de recuperação, tem-se a resistência dos grupos de controle que pretendem manter o “status quo” e a resistência dos torcedores que temem a “venda” do seu clube para uma “SAF de dono”.
Surge, agora, um modelo intermediário: as sociedades anônimas de futebol que permitem que os torcedores sejam os verdadeiros donos da SAF.
É uma ideia que, em alguma medida, inspira-se na história do Green Bay Packers da NFL (National Football League), que é propriedade coletiva dos seus torcedores. É uma entidade fundada em 1923 com o objetivo de salvar o clube de dívidas impagáveis. Tem mais de 500 mil acionistas torcedores e os lucros são reinvestidos no clube. Há limitação para que cada acionista não tenha mais do que um determinado número de ações com direito a voto, evitando controle político de grupos. É controlado por um Conselho de Administração, que elege um Comitê Executivo, cujo presidente atua como gestor da empresa. Por pertencer aos torcedores, possui um grande engajamento dos seus acionistas. Este modelo é único, pois legislação superveniente vetou novos modelos similares.
Nesta esteira, há o projeto da SAFIEL, que pretende criar uma SAF para o Corinthians (SCCP), detida de um lado pelo próprio clube que detém os ativos do futebol e, de outro lado, por uma empresa criada exclusivamente para receber aportes e investimentos dos torcedores (INVASÃO FIEL S.A.), com cotas anunciadas de R$ 50,00 a R$ 10 mil cada. Há limite para que nenhum acionista tenha mais do que 1,8% das ações e, mesmo estes, devem ser obrigados a diluir sua participação na futura abertura de capital. Pelo projeto, o SCCP transferiria os ativos do futebol para a SAFIEL pelo valor de avaliação e, de outro lado, a INVASÃO FIEL transferiria todos os valores arrecadados com os investidores também para a SAFIEL, definindo-se então, proporcionalmente, quais as participações de cada um (SCCP e INVASÃO FIEL).
Projeta-se que a SAFIEL – sempre tendo o SCCP e a INVASÃO FIEL como sócios – será gerida por um Conselho de Administração com sete membros, dos quais um será indicado pelo SCCP, um pelos fiéis torcedores investidores, um pelos investidores majoritários e quatro deles profissionais contratados no mercado. Este Conselho de Administração nomeará os diretores, com regras claras, qualificação e experiência comprovadas, mandatos limitados e metas aprovadas em Assembleia, sem as quais serão imediatamente desligados. Vale dizer, a gestão seria profissional e a escolha caberia, preponderantemente, ao grupo de investidores da INVASÃO FIEL S.A. (torcida). Somado a essa estrutura de boa governança, um Comitê de Governança competente para validar os nomes indicados para o Conselho de Administração mediante critérios objetivos, submetidos e eleitos posteriormente pela Assembleia de todos os acionistas. Não prescindiria de auditoria externa independente, transparência com todos os documentos publicados no portal da entidade e extrema profissionalização.
Em linhas gerais, estima-se que as dívidas seriam imediatamente saneadas, que haja recursos para organizar equipes altamente competitivas, com potencial de dobrar a receita mensal do clube. E, ainda mais importante, cessar o crescimento da dívida que apenas com os juros cresce na ordem de R$ 350 milhões por ano.
O interesse público é patente. Os credores receberiam. Os empregados e colaboradores não mais teriam seus recebimentos atrasados. O clube originário receberia percentual das receitas da SAF para investir em suas outras atividades recreativas, sociais e desportivas, em patamares maiores do que lhes é destinado atualmente.
O erário público receberia os tributos atrasados – à vista ou em acordos de transação -, além de passar a receber os tributos em dia nos termos do Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF). Esse TEF contempla, atualmente, os tributos IRPJ, CSLL, PIS/Cofins e INSS-Patronal à alíquota de 5% sobre as receitas nos 5 primeiros anos e 4% a partir do 6º ano. Após a vigência regular da Lei Complementar 214/2025 (reforma tributária), o TEF permitirá que as SAFs recolham os tributos IRPJ, CSLL, INSS-Patronal à alíquota de 4% sobre as receitas, além de 1,5% a título de CBS e 3% a título de IBS, permitidos, nestes últimos, o abatimento de alguns créditos oriundos da aquisição de direitos desportivos de atletas.
Após um período inicial estimado em 5 anos, abriria-se capital na bolsa de valores, emitindo-se ações preferenciais com direito a recebimento de uma parte dos dividendos (sem direito a voto). Nessa oportunidade, espera-se que a gestão profissional, o saneamento de todas as dívidas, o crescimento exponencial das receitas e a conquista de títulos e novos patrocínios, a SAFIEL tenha um valor de mercado muito maior do que o que recebe originalmente.
É bom para o clube, para os torcedores (acionistas ou não), para o futebol, para os credores, para o erário e para a economia em geral.
O legislador deve sempre estar atento as novas formas de fazer negócio, atualizar mercados e instituições, sobretudo quando lidamos com o futebol que é, na verdade, um patrimônio cultural do país.