Anunciada no último dia 9 de julho, em uma carta assinada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, entra em vigor, nesta quarta-feira, uma sobretaxa de 50% que vai incidir sobre parte das exportações brasileiras para o mercado americano.
As vendas para os Estados Unidos já haviam recebido uma tarifa adicional de 10% há cerca de dois meses. Não há um canal de diálogo aberto que coloque sobre a mesa o que os americanos querem como compensação, para retirar a sobretaxa.
Os únicos sinais dados pela Casa Branca foram o interesse em colocar em uma negociação a retirada do processo pelo qual o ex-presidente Jair Bolsonaro é acusado de tentativa de golpe de Estado, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), o acesso a minerais críticos e a regulação das grandes plataformas digitais americanas, conhecidas por big techs.
O vice-presidente Geraldo Alckmin conversou algumas vezes com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, e o chanceler Mauro Vieira esteve em Washington com o chefe da diplomacia americana, o secretário de Estado Marco Rubio.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, espera falar com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent. Contudo, desde que o ministro do (STF) Alexandre de Moraes decretou prisão domiciliar para Bolsonaro, na última segunda-feira, a situação pode ter ficado mais complicada do que já é.
O governo americano reagiu no mesmo dia e acusou Moraes de violar os direitos humanos. O magistrado já é alvo de sanções econômicas pelos Estados Unidos. A saída para o governo brasileiro é implementar um plano de contingência para ajudar os setores mais afetados pelo tarifaço a sobreviver, enquanto buscam novos mercados.
Cerca de 700 itens ficaram de fora da sobretaxa, mas carnes, calçados, pescados, entre outros, serão duramente afetados. O assunto foi tema de reunião, nesta terça-feira, entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vários ministros.
Segundo interlocutores do governo brasileiro, a dinâmica de uma negociação entre Estados Unidos e Brasília é inédita na história das relações bilaterais. O caso promete ser um dos mais desafiadores. Lula tentará driblar a todo momento as pressões de Trump para que o Judiciário do Brasil, um poder independente, suspenda o processo contra Bolsonaro.
Isso já coloca os brasileiros em posição de desvantagem em relação aos demais parceiros internacionais que já fecharam acordos com os Estados Unidos. E, mesmo nesses casos, o preço a ser pago à Casa Branca é alto.
Com a União Europeia, por exemplo, a tarifa caiu de 25% para 15%, quando as vendas forem para os Estados Unidos. Os europeus serão obrigados a não cobrar nada sobre bens americanos e ainda terão de fazer investimentos bilionários naquele país.
Outro exemplo é a Indonésia. Cerca de 99% das tarifas de importação sobre produtos americanos irão a zero; e as exportações indonésias serão tributadas em 19%. Além disso, não haverá restrições de minerais críticos aos Estados Unidos.
Frederico Favacho, sócio do Santos Neto Advogados, avalia que Trump jogou o caso brasileiro para o escrutínio mundial. “O caso do Brasil não seria discutido, necessariamente, na Organização Mundial do Comércio (OMC), que está desmobilizada, mas em análises políticas e nos debates públicos”, diz Favacho.
Para o analista político Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas, não há clareza sobre o que os Estados Unidos querem do Brasil. Isso porque a questão está muito concentrada na Casa Branca.
O Departamento de Estado e o Conselho Nacional de Segurança têm poucas informações, em sua opinião. “O tema Bolsonaro, obviamente, não pode fazer parte das negociações, mas tarifas e big techs, sim. Mas é difícil saber”, afirma.
Para Stuenkel, o espaço para as negociações é bastante limitado, por causa dessa conotação política dada por Trump.
Assim, fica muito mais fácil para os europeus, os japoneses e outros negociarem com os Estados Unidos do que o Brasil. “Trump iniciou essa negociação de forma muito ofensiva”, diz o analista. Dawisson Belém Lopes, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais.
Ele destaca que o governo brasileiro está imbuído do espírito soberanista. “Para falar português claro, o Brasil não vai negociar com uma arma apontada para a cabeça. Isso está posto. E o governo Lula, que em certa medida se alimenta de popularidade, resultante dessa postura altiva em política externa, não vai ceder”, diz Lopes. “Não vai ceder, porque não é racional do ponto de vista político-eleitoral, e também porque contradiz toda a carga de valores que levou a esquerda ao poder”, completa.