A sismóloga Deborah Kilb estava analisando registros de terremotos da Califórnia das últimas quatro décadas quando notou algo estranho: uma série de terremotos profundos que haviam ocorrido sob a Serra Nevada em uma profundidade onde a crosta terrestre normalmente estaria muito quente e com alta pressão para atividade sísmica.
“Na Califórnia do Norte, geralmente os dados (de terremotos) chegam até cerca de 10 quilômetros. Na Califórnia do Sul, eles vão um pouco mais fundo, até 18 quilômetros”, afirma Kilb, pesquisadora do Instituto Scripps de Oceanografia da Universidade da Califórnia, San Diego, referindo-se às profundidades em que os terremotos geralmente ocorrem nessas regiões.
Mas os terremotos que ela encontrou ocorrendo perto da região central da cordilheira eram até duas vezes mais profundos — e parecem estar em curso.
“O fato de vermos alguma sismicidade abaixo de 20 quilômetros — como 20 a 40 quilômetros — é muito estranho”, acrescenta Kilb. “Não é algo que você normalmente veria em terremotos crustais.”
Kilb sinalizou os dados para Vera Schulte-Pelkum, cientista pesquisadora do Instituto Cooperativo de Pesquisa em Ciências Ambientais e professora associada de pesquisa em ciências geológicas da Universidade do Colorado Boulder. Schulte-Pelkum já estava estudando a peculiar estrutura rochosa da Serra Nevada, que havia mostrado deformações rochosas profundas na mesma área.
Usando os novos dados, os pesquisadores fizeram imagens da Serra Nevada através de uma técnica conhecida como análise de função receptora, que usa ondas sísmicas para mapear a estrutura interna da Terra. Os cientistas descobriram que na região central da cordilheira, a crosta terrestre está atualmente se desprendendo, um processo cientificamente conhecido como afundamento litosférico. Kilb e Schulte-Pelkum relataram as descobertas em dezembro na revista Geophysical Research Letters.
A hipótese alinhava-se com especulações anteriores de que a área havia passado por afundamento litosférico, que acontece quando a camada mais externa da Terra afunda na camada inferior do manto. Agora, as autoras do estudo acreditam que o processo está em andamento e atualmente progredindo para o norte da cordilheira, segundo o estudo.
“Comparamos nossas anotações e percebemos que meus estranhos sinais de estrutura rochosa e seus estranhos terremotos profundos estavam na mesma área”, explica Schulte-Pelkum. “Então decidimos olhar mais de perto e encontramos toda essa história.”
O que está acontecendo sob a Serra Nevada poderia oferecer um raro insight sobre como os continentes se formaram, segundo Schulte-Pelkum. A descoberta também poderia ajudar os cientistas a identificar mais áreas onde esse processo está acontecendo, além de fornecer uma melhor compreensão dos terremotos e de como nosso planeta opera, acrescenta.
Como os continentes se formaram
A camada superior da Terra, a litosfera, é composta pela crosta rígida e pela parte superior do manto, que está em um estado mais denso, mas mais fluido. Esta camada também contém a crosta oceânica da Terra — uma camada mais fina e mais densa abaixo dos oceanos — e a crosta continental que fica acima desta camada.
Mas como essas subcamadas conseguem existir neste estado ideal, com os continentes no topo, é algo misterioso, segundo Schulte-Pelkum. “Os continentes acabaram ficando acima do nível atual do mar, por sorte nossa, porque eles são feitos de minerais menos densos em média”, afirma. “Para fazê-lo ficar mais alto (em primeiro lugar), você tem que se livrar de parte do material denso.”
O afundamento litosférico é o processo dos materiais mais densos sendo puxados para o fundo, enquanto o material menos denso emerge no topo, resultando na criação de terra. “Está despejando parte desse material mais denso nesta camada do manto sólida e viscosa embaixo e basicamente desconectando-o para que pare de puxar o material menos denso acima”, explicou ela.
Nas imagens da Terra abaixo da Serra Nevada, os pesquisadores encontraram uma camada distinta dentro do manto a cerca de 40 a 70 quilômetros de profundidade. Esta camada tinha impressões específicas que mudavam gradualmente em direção ao norte, mostraram os dados.
Se alguém tivesse um bloco de argila com manchas de diferentes cores e o apertasse entre as mãos, as manchas começariam a se transformar em listras — isso é semelhante a como aparecem as deformações rochosas, de acordo com Schulte-Pelkum.
Na Sierra Sul, as rochas densas tinham as listras inerentes mais fortes e mostraram já ter se separado da crosta, enquanto na região central esse processo parece estar em andamento. Na Sierra Norte, atualmente não há sinais de deformação. Esta camada distinta dentro do manto também explicaria os terremotos profundos que Kilb encontrou, já que a crosta na região central é excepcionalmente espessa por ter sido puxada para baixo e também está mais fria do que o material quente do manto tipicamente encontrado nessas profundidades.
“A rocha leva muito tempo para aquecer ou esfriar. Então, se você move algo, sabe, puxando para baixo ou empurrando para cima, leva um tempo para ajustar sua temperatura”, afirma Schulte-Pelkum.
Evidências desse processo têm sido difíceis de encontrar. Não é visível da superfície e é um processo extremamente lento. Os cientistas teorizam que o sul da Sierra concluiu o processo de afundamento litosférico há cerca de 4 milhões a 3 milhões de anos, segundo o estudo.
Parece que esses eventos naturais acontecem ocasionalmente ao redor do mundo, explica Schulte-Pelkum. “Geologicamente falando, este é um processo bastante rápido com longos períodos de estabilidade entre eles. Isso (afundamento litosférico) provavelmente começou a acontecer há muito tempo quando começamos a construir continentes, e (os continentes) ficaram maiores com o tempo. Então é apenas algo pontual e localizado”, acrescenta.
Debate em andamento
A Sierra Nevada tem sido tema de debate por décadas na comunidade geológica devido a uma anomalia encontrada no manto localizado sob o Grande Vale.
Enquanto alguns cientistas acreditam que o afundamento litosférico causou essa característica, outros cientistas pensam que pode ser causada pela subducção, que é quando uma placa oceânica afunda sob uma placa menos densa, como a crosta continental, e muda a paisagem, segundo Mitchell McMillan, um geólogo pesquisador e pós-doutorando da Georgia Tech, que não esteve envolvido no estudo.
“Existem realmente duas hipóteses concorrentes para explicar todos esses dados, e você não encontra isso com muita frequência em geologia. Então este artigo vai contribuir para toda essa discussão de uma maneira muito interessante”, afirma.
Estudos adicionais nesta área também poderiam ajudar os cientistas a entender melhor como a Terra evolui em longas escalas de tempo. Se o afundamento litosférico continuar sob a cordilheira, pode-se especular que a terra continuará a se estender verticalmente, mudando a forma como a paisagem se parece agora, de acordo com McMillan. Mas isso poderia levar de centenas de milhares a alguns milhões de anos, acrescenta o especialista.
Em geral, grandes cadeias montanhosas, ou qualquer lugar onde há um batólito, é onde se espera encontrar esses eventos, diz McMillan. Os Andes, uma longa cordilheira na América do Sul, é um exemplo de outro lugar onde os cientistas especulam que o afundamento litosférico ocorreu uma vez e ainda pode estar acontecendo hoje.
“Acho que este estudo em particular (destaca) a importância de conectar esses diferentes conjuntos de dados”, afirma McMillan.
Ao entender melhor esse processo, os cientistas podem aprender mais sobre as funções do planeta e o que acontece sob sua superfície, incluindo a ocorrência de terremotos que foram ligados a esse processo, segundo McMillan.
Separadamente, o planeta Vênus, que não tem tectônica de placas como a Terra, tem evidências desses eventos de afundamento litosférico, e ao entender o processo na Terra, podemos começar a aplicá-lo a Vênus.
“É realmente fascinante pensar que você poderia estar fazendo uma caminhada na Sierra ou nas colinas, ou mesmo em qualquer outro lugar em um continente. E, sabe, há coisas acontecendo muito profundamente embaixo de você que não percebemos”, afirma Schulte-Pelkum.
“De certa forma, devemos nossa existência na Terra a esses processos. Se a Terra não tivesse formado continentes, seríamos criaturas muito diferentes. Nós evoluímos porque o planeta evoluiu da maneira que evoluiu. Então, compreender todo o sistema do qual você faz parte tem valor — além de apenas reduzir danos monetários e impactos humanos durante, por exemplo, um terremoto”, acrescenta.
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