Comemora-se, neste mês de março de 2025, 40 anos da redemocratização. É dizer, há 40 anos que o Brasil deixou o governo autoritário inaugurado em 31 de março de 1964, e que teve vigência por 21 anos. Esse período autoritário findou ao término do mandato do presidente João Figueiredo.
A partir daí, teve início a transição democrática, que se fez com a posse do então vice-presidente eleito, José Sarney, em 15 de março de 1985. O presidente eleito, Tancredo Neves, acometido, na noite do dia 14 de março, de grave enfermidade, não pudera ser empossado, vindo a falecer em 21 de abril do mesmo ano.
A transição foi feita por Sarney, um político hábil, com notável participação na política nacional, deputado federal, governador de Estado. Por isso mesmo a transição democrática se fez com sucesso, valendo recordar os momentos anteriores a ela. Os brasileiros, na sua maioria, amam a liberdade, presente o conselho do Quixote a Sancho: “(…) a liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos bens que os céus deram aos homens; com ela não podem igualar-se os tesouros que a terra guarda, e o mar encobre: pela liberdade, assim como pela honra, se pode e se deve aventurar a vida.”
O movimento popular pelas “Diretas Já”, que inundou de povo ruas e praças das principais capitais do país, representou o início das manifestações pela redemocratização. Mas o Congresso Nacional, em abril de 1984, rejeitou a Emenda do deputado Dante de Oliveira, que instituía a eleição direta do presidente da República.
Teve começo, então, a movimentação política na busca de um candidato civil à presidência, em sucessão ao general Figueiredo, numa eleição indireta pelo Colégio Eleitoral instituído pelo Congresso Nacional, por proposta do PDS, partido que apoiava o governo.
A habilidade política de Tancredo Neves, governador de Minas, mineiro de uma geração brilhante de políticos e intelectuais, conservador, linha moderada, com longa participação na política nacional, deputado federal em várias legislaturas, ministro da Justiça de Getúlio Vargas, num momento cruciante, primeiro-ministro do governo parlamentar. Tancredo tinha bom diálogo com o governo.
Governador de Minas, eleito diretamente, trabalhando silenciosamente e sabiamente, costurou, dia a dia a aliança que culminou na sua eleição a presidente da República. Ele teve o apoio integral da oposição ao governo de Figueiredo, devendo ser ressaltado o trabalho do governador de São Paulo, à época, Franco Montoro, de Ulysses Guimarães, de Marco Maciel, dentre outros notáveis homens públicos.
O candidato lançado pelo PDS, que sucedeu à ARENA, assim pela situação, Paulo Maluf, disputou no Colégio Eleitoral com Tancredo, que saiu vitorioso, com 480 votos contra 180 dados a Maluf. Tancredo foi lançado pelo PMDB, com o apoio da Frente Liberal, dissidência do PDS, que deu nascimento ao PFL, e que propugnava por José Sarney como vice. Sarney divergira dos apoiadores de Paulo Maluf.
Eleito, Tancredo, no leito hospitalar, não pôde tomar posse. Assumiu o vice, José Sarney, que se encarregou da transição, fazendo-o exemplarmente. Segundo Sarney, o legado deixado por Tancredo frutificou: “O Brasil chegou ao final do século passado como uma das maiores democracias de massa do mundo.”
É verdade. E chegou ao final do Século 20 com uma Constituição democrática, a mais democrática das Constituições brasileiras, a Constituição Cidadã, segundo Ulysses, votada e promulgada por uma Assembleia Constituinte convocada por ele, Sarney, e presidida, na sua inauguração oficial pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Moreira Alves. E chegamos até aqui com uma democracia consolidada, moeda forte (Plano Real), instituições políticas estáveis e um povo que sabe reagir àqueles que a querem destruir.
Há que prestar homenagem ao brasileiro que, pacientemente, com habilidade e patriotismo, conduziu o país à redemocratização, e que, tal como Moisés, que conduziu o seu povo à Terra Prometida, e que nesta não conseguiu entrar, morrendo quando já a divisava, tal como Moisés, assinalou o rabino Henry Sobel.
Tancredo foi acometido, às vésperas de sua posse, da moléstia que o levou a morte no dia 21 de abril de 1985, dia em que se comemora a morte do mártir pela independência do Brasil, o Tiradentes, assim mártir pela liberdade, patrono cívico dos brasileiros, a demonstrar, como proclamou o príncipe Hamlet, que há entre o Céu e a terra, lembrei em discurso que proferi no antigo TFR, em homenagem a Tancredo, muito mais do que imagina a nossa vã filosofia.
Salve! Tancredo de Almeida Neves!
*Carlos Mário da Silva Velloso, advogado, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (1999-2001) e do Tribunal Superior Eleitoral (1994-1996 e 2005-2006), professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e da PUC-MG